Não explicaram muito bem a questão dos processos para o espetáculo. Venho esclarecer melhor. O texto é um olhar intenso sobre a vida de dois pacientes abandonados num quarto de hospital público. Um quarto número nada. Um quarto que as pessoas parecem ignorar. Uma atitude típica de nosso país onde todos preferem fingir que não vêem. Onde os vidros dos carros se fecham ao se detectar a presença de meninos de rua. Onde as maiores injustiças são admitidas por uma população passiva que prima por ser inconsciente. Agora, enquanto escrevo esse texto, ouço na televisão a notícia de que uma mulher, idosa, morreu no posto médico público após 24 horas à espera de uma UTI. Fico profundamente comovida e revoltada.
Diante disso, acho que as nossas enfermeiras displicentes e perversas não afastam em nada da realidade. Aliás, o que estará imitando o quê? Mas será esse um problema só brasileiro?Quando vejo as barbáries que acontecem pelo mundo me pergunto: Quem se responsabiliza pelo outro hoje em dia? Quem cumpre o dever básico de ser competente naquilo a que se propõe? Esses, entre outros, foram os questionamentos que o texto me trouxe.
Para chegar até aqui tive que lutar contra a minha confortável ação de trabalhar em cima do óbvio e depois ir para casa com a falsa sensação de dever cumprido. Mas eu não quero apenas me sentir confortável. Quero mergulhar fundo, colocar o dedo na ferida. Mesmo que para isso tenha que sair de alguns ensaios pensando seriamente e desistir de ser atriz. Forçando-me ao exercício cada vez mais em desuso de pensar.
Como confidenciei ao grupo certa vez, estava sendo muito complicado lidar com a energia do espetáculo. Por ter que mergulhar num ambiente tão pesado como o hospitalar, foi um começo muito sofrido. Ouvir as falas dos personagens tinha efeito direto sobre mim, pois convivo há muitos anos com a doença de um ente muito querido. O mais difícil, certamente, foi ter que me deparar com tanto sofrimento e não me envolver, já que a minha personagem é alheia a tudo isso. Mas o processo, que sempre é caótico no começo, nos ajuda a achar soluções para o que parece ser incontornável. E a cada leitura fui encontrando a minha enfermeira 2, fui me surpreendendo com o que ela era capaz de fazer. Isso me deu um prazer incomensurável e me fez pensar muito, como uma jovem atriz que sabe que tem muito que aprender, e que não posso deixar de me encantar sempre ao perceber o quanto é vasto o universo do ator. Posso afirmar, sem sombra de dúvidas, que o espetáculo contribuiu e tem contribuído muito para a minha melhora como atriz e ser humano. Tenho até a pretensão de esperar que esse espetáculo venha a contribuir para a melhora de vocês.
Por Mabelle Magalhães
(Atriz e Co-Fundadora da Companhia)
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