Um texto que já na primeira leitura gostei (e isso é bem raro de acontecer) vassoura atrás da porta, ou, como prefiro e não escondo, quarto número nada, meu título predileto, tem sido um dos processos mais instigantes, interessantes e enriquecedores que já tive o privilégio de participar. Primeiro de tudo, acredito no texto. Reconheço que se trata de uma obra divertida e surpreendentemente madura para um autor tão jovem.
Assumo que sinto prazer em participar daquilo que gosto. Embora não possa negar as dores que todo o processo me causou. E quando falo em dores não me refiro apenas àquelas psicológicas que todo o processo causa, mas pelo fato de meu personagem não ter os braços e isso me causar desconfortos enormes de adaptação. Mas todo o incômodo foi bastante desafiador e valeu muito à pena. Coloquei-me numa perspectiva diferente da habitual que me fez ter necessidade de repensar muito as minhas posturas de ator, e porque não dizer, de ser humano. É impossível separar completamente as minhas vivências pessoais do meu trabalho de ator.
A vida é a matéria prima do teatro. Teatro trata de tudo que é inerente ao ser humano. Na vida, cedo ou tarde, percebemos sua complexidade. Ora é cheia de realizações, esfuziante... Ora trágica, perversa, estranha. E é um pouco desse estranhamento que eu espero que o público perceba. Espero que cada riso, ou provável lágrima, seja motivo para uma futura reflexão. Porque cada emoção que tive (e tenho) como esse processo me leva a perguntas sem respostas garantidas. Mas, inquietantemente necessárias. Como por exemplo, o que fazer na iminência da morte? Como agir na inevitável solidão? Ou talvez questões mais simples: Será que somos capazes de perceber as necessidades dos outros? Não posso deixar de sentir um aperto no peito ao pensar que muitos P2 estão por aí, resistindo sem esperança, vitimados pela conseqüência pura de simplesmente existirem.
Para finalizar, quero dizer que esse espetáculo significa a minha entrada com o pé direito em 2010. Acho que trará sorte começar o ano fazendo o que gosto. Agradeço muito a todo o apoio que sempre tive. Em especial, à minha mãe, que é a minha maior incentivadora nos momentos de descrença com a vida e arte, e a toda minha família e amigos. Descubro a cada dia que tenho muita fé no futuro, no trabalho e no respeito que somos capazes de desenvolver uns pelos outros.
A alma não é só o que me resta. Nunca poderei parafrasear o meu personagem. Confirmo aliviado que “Arte não é falta do que fazer” e que graças a todos que estão ao meu redor, resta muita coisa...
Fernando Campos (Ator da Companhia)
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