terça-feira, 13 de agosto de 2013

Crítica sobre o nosso espetáculo "Sagrada Família"

Escrita por Uendel de Oliveira, Doutorando em Artes Cênicas pelo Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas da UFBA, Dramaturgo e Professor de Teorias do Teatro. Você pode conferir essa e outras críticas de Uendel para outros espetáculos e filmes no seu blog:  falandosobrecena.blogspot.com


O espetáculo Sagrada família, dirigido por Tássio Ferreira junto a Cia. Hedônicos, baseado em Os Sinos, obra do dramaturgo Marcos Barbosa, em cartaz no palco do Cabaré dos Novos, no Teatro Vila Velha em Salvador, põe em cena o desmantelamento da imagem da família como instituição sagrada. Em cena, um universo de desejos e ações reprováveis que anunciam e, de fato, resultam em um desfecho catastrófico.

A narrativa do espetáculo mostra em dois planos – o do presente e o do passado – as relações entre os membros de uma família, formada por pai, mãe, duas filhas e um filho, sendo que este aparentemente sofre de algum mal mental. A filha mais velha é aquela que mantém um relacionamento mais estreito com o irmão, que é tratado como bastardo e frequentemente trancafiado num quarto pelos demais. A outra filha sente-se preterida pelo pai, que nutre pela primeira um desejo incestuoso. A mãe age como a figura passiva, que não reage aos desmandos do marido, sempre violento.

No plano do presente, acompanha-se o velório da irmã mais velha, cuja causa da morte permanece um mistério até próximo do fim. É durante o velório que essa informação vem à tona, que todos os personagens ficam sabendo dos eventos terríveis que, até então, eram mostrados apenas para o espectador no plano do passado, e que o filho mais novo finalmente explode em ódio contra o pai. E no passado, vê-se o amor da filha mais velha por outra mulher, que desencadeia uma reação brutal do seu pai; a inveja e as artimanhas da outra irmã para tentar ocupar o lugar da primeira; e os abusos sexuais cometidos pelo pai contra a filha que faleceu.

A cena é dinâmica, a direção investe ora em cenas silenciosas, ora em cenas onde a trilha sonora desempenha importante papel para a composição dos climas, o que resulta em algumas imagens impactantes. O cenário apresenta elementos que funcionam como alusões aos objetos de cena – como camas, um oratório, etc. As exceções são o caixão – necessário para a cena –, e uma porta colocada ao fundo, cuja presença destoa dos demais elementos. Há um claro cuidado com o figurino e a maquiagem, usados como elementos, inclusive, que diferenciam os tempos da ação. Nesse sentido, a iluminação também contribui fundamentalmente para estabelecer a distinção entre os planos do passado e do presente, embora por vezes as transições se deem de maneira brusca. 

O elenco está regular, embora seus desempenhos não tenham alcançado as nuances pedidas por seus personagens. Por vezes, diante de situações de grande sofrimento, as composições dos atores resvalam no histrionismo, contudo, é possível identificar que se trata de detalhes que podem claramente ser aperfeiçoados com a sucessão das apresentações. Importa destacar, ainda, o desempenho do coro, formado por três mulheres, e que cumpre a função de comentar poeticamente e anunciar as ações acontecidas.

Contudo, há questões de ordem espacial que criam dificuldades ao espectador. Por vezes, a disposição da plateia e o uso dos objetos de cena criam vários pontos cegos sobre o palco. Acrescentando o fato de que há muitas cenas em que os atores ficam sentados ou deitados no chão, a visualização de momentos importantes fica muito comprometida. Por exemplo, o caixão colocado diante do palco no mesmo nível do olhar do espectador, cria uma barreira para que ele acompanhe certas cenas. As poucas ressalvas não impedem que se reconheça as proposições estéticas apresentadas por Sagrada Família, que poderá resultar num grande espetáculo, à medida que certos detalhes sejam revistos. 
(Texto: Uendel de Oliveira)