quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Reflexões sobre o evento "Diálogos sobre Dramaturgia Contemporânea"


Nos últimos dias 05, 06, 07 de outubro, aconteceram no Teatro Martim Gonçalves, os Diálogos sobre Dramaturgia Contemporânea, trazendo para Salvador três conceituados dramaturgos de nossa época: Newton Moreno (Brasil), Ramon Griffero (Chile) e Dario Facal (Espanha), promovido pelo grupo Teatro NU, através do Fundo de Cultura. Um espaço importante de discussão, conhecimento, resignificação de conceitos... Uma verdadeira troca latino-americana. Importe salientar a relevância destes encontros na cidade do Salvador, onde a dramaturgia ainda não encontra no cenário teatral o seu espaço reconhecido.


Nestes três dias, encontramos alunos da escola de teatro (em pouquíssimo número), dramaturgos da cidade, atores, diretores e pessoas afins ao tema. O evento contou com um número de pessoas que considero satisfatório para o juízo de valor que é dado à dramaturgia. Penso que tinham umas vinte e poucas pessoas, oscilando durante os três dias.


No primeiro dia, infelizmente não contamos com a presença do dramaturgo Newton Moreno, por motivo de saúde. Mas, o dramaturgo Cláudio Simões, “fez o seu dever de casa”, e, nos deu a oportunidade de discutir acerca da leitura dramática que foi feita anteriormente a discussão. No segundo dia, enfim, podemos começar o “bate-bola” com os criadores.

Uma tendência desse segundo dia era uma fuga às perguntas de alguns alunos da escola, quando referia à questão a ação dramática dentro do espetáculo DRAMÁTICO. O Dario Facal se contradizia o tempo inteiro. Em uma de suas falas ele nos diz que o texto é mesmo a última coisa a ser trabalhada e de pouca relevância dentro do universo espetacular. Corrigindo, em seguida, após as reações contundentes de alguns, que, na verdade, ele não quis dizer que esse texto não era importante, que ele é professor de Teatro na Universidade, e que o texto tem sim sua relevância. Realmente foi confuso seu discurso.


O que puder perceber é uma tendência à contemporaneidade a fuga do drama, do diálogo propriamente dito. É sabida a liberdade de criação de cada um, mas é complicado chamar de teatro um texto literário, de cunho extremamente épico, onde vez ou outra vemos traços estilísticos do drama. Estamos na era da imagem, da poluição visual, da confusão dos tempos, da efervescência das informações, e esse homem contemporâneo, já não consegue mais acompanhar um espetáculo de teatro, onde o drama é a base. Logo, as companhias contemporâneas têm pautado-se na idéia da construção imagética, substituindo a ação dramática pela exposição de belas imagens corporais, aliadas a uma sonoridade furtiva que completam a cena com um tom de iluminação concebido com seus efeitos tecnológicos. Apesar de ácida essa informação, é clara e recorrente nos espetáculos teatrais, sobretudo da cidade do Salvador – a qual sou residente e acompanho o movimento teatral.


Não quero com essas explanações dizer que as peças que utilizam esses mecanismos são piores ou melhores que as outras. Não! A questão aqui posta é o drama, ação dramática que nutri toda a trama. Existe uma ilusão de ação dramática colocada pelos solilóquios.


Durante as leituras muito bem representadas pelo corpo de atores da Companhia, percebi a “penetração”, o mergulho na caixa cênica do público quando começavam esses trechos que não podemos chamar de diálogo, porque se passam em um outro plano de ação, colocados por exemplo em “Morfologia da Solidão” de Dario Facal. Em uma construção do “diálogo” do homem com uma prostituta do telesexo. Nesse instante a energia do teatro é excitada, e posso dizer que não pelo tema sexual, que realmente mexe com o espectador, mas a idéia do diálogo, a dialética de fato acontecendo e trazendo o público, convidando essas pessoas a participarem do espetáculo. Já provado por Aristóteles em sua poética que de fato o que provoca a catarse nas pessoas é “essa história a ser contada”, não importando ela ser lida ou encenada.

Será que o teatro contemporâneo está fadado ao épico? Será que a linguagem cinematográfica de fato contaminará a linguagem cênica teatral?


Essa outra questão é interessante. No terceiro dia, assistimos à leitura do texto de Ramón Griffero, intitulado “Fragmentos da Solidão”. O próprio autor chileno nos diz a forte influência do cinema, que na verdade ele ingressara no teatro para aprender a dirigir os atores. Essa idéia de cinema é clara em seu espetáculo, que nos bombardeia de informações que do ponto de vista de representação cênica teatral, ela se torna impraticável no palco – visto com meus olhos. Realmente ao ouvir a leitura dramática, as imagens são criadas em minha cabeça, e, logo vemos a sua peça dentro das telonas de cinema.


São discussões que me inquietam bastante. Eu que inicio meus estudos acerca da dramaturgia, entro em conflito com as construções de peças que já fiz. Às vezes me sinto vazio, pois, penso que minhas peças não serão interessantes às pessoas, elas não estam à serviço desse homem contemporâneo, no sentido de não proporcionar essa linguagem cinematográfica, em um espetáculo de no máximo uma hora que esse espectador saia “satisfeito” (sendo esse termo um longo espaço para outra discussão). Não sei escrever assim. A ação dramática, com suas construções de personagens cartesianas ou não, e todas as micros curvas dramáticas construídas, que Martim Esslin trata em “uma anatomia do drama” como os microconflitos que sustentam a trama. Acredito nesse modelo, por enquanto. Pode ser que daqui a algum tempo me renda ao modelo “imagético-épico-dramático” que efeta as emoções humanas, apenas.


Talvez precise de um arcabouço de cunho teórico para defender e elucidar minhas idéias, ou fragmentos de construções de pensamento. Mas, me preocupo com a velocidade de transformação desse teatro, com o stand-up comedy, que confunde ainda mais a cabeça de quem nunca foi ao teatro. Percebo cada vez mais que escolhi o caminho certo dentro da academia, que será projetado para minha carreira profissional. A licenciatura em Teatro. É preciso ensinar, mediar, professar, qualquer que seja a nomenclatura para se definir os processos educacionais dentro da unidade formal de ensino. Vejo claramente que as crianças que tiverem acesso ao fazer teatral, terão maior possibilidade de abrir os olhos para este mundo ao qual vivemos, e, estar mais próxima às artes. Vamos ensinar dramaturgia nas escolas? Meu TCC vem aí, acho esse uma boa temática. As pessoas têm dificuldade de escrever drama, fatalmente porque elas não liam peças nas escolas, e tampouco assistiam espetáculos. Diferentemente na Inglaterra onde o drama é utilizado como eixo para se apropriar dos outros temas e disciplinas.


Espero que espaços proporcionados pelo Teatro NU continuem em Salvador, sobretudo na academia, que não discute a contemporaneidade da dramaturgia como ela merecia ser discutida.



Tássio Ferreira

Nova montagem - A Cantora Careca






Encerramos a nossa temporada com o espetáculo 'Campo de Concentração', no Teatro Caballeros de Santiago, e, estamos em novo processo de montagem, com uma cena de 15 minutos para o projeto Ato de 4 - Escola de Teatro da UFBA.

Escolhemos trabalhar desta vez com uma pitada de humor. Os atores precisavam "respirar" um pouco mais, "Campo de Concentração realmente era de tirar o fôlego", disse um ator. Logo, escolhemos Éugene Ionesco, com seu clássico 'A Cantora Careca'.

No elenco contamos com a participação especial de Mabelle Magalhães, na pele de Sra. Smith, Thiago Souza, vivendo Sr. Smith, Vivian Rigueira e Fernando Campos, com Sra. e Sr. Martin, Gildázio Santos como Mary e Gleison Richelle como o Bombeiro. Contamos com a orientação de cenografia de Maurício Pedrosa. Direção e adaptação de texto, Tássio Ferreira.




Vamos à algumas reflexões dramatúrgicas acerca deste texto.



A peça se passa no interior da Inglaterra, aborda o cotidiano da família Smith, que conversam dizendo banalidades com pouco sentido. Aparece a empregada Mary que anuncia a entrada da família Martin. Estes entram, sentam-se e, iniciam um diálogo também sem grande substância. Eles conversam, acumulam ocorrências, e apercebem-se de que são marido e mulher. Um Bombeiro entra a procura de incêndio, diz algumas anedotas e vai embora. Os casais voltam ao diálogo gratuito, e tudo volta ao início, em uma anticomédia.
Nesta estética absurdista é clara a idéia deste mundo irracional, pueril, que quebra com o encadeamento das falas, surgindo, assim, um “realismo do absurdo”, que é muito mais real e natural que o próprio realismo original que busca essa naturalidade dos acontecimentos, e não deixa espaço para a realidade, menos encadeada, mas imprevista, de fato aconteça. Realidade esta que, é posta à mesa por Ionesco. Realismo do absurdo, pois, dentro desta lógica proposta pelas personagens, ela existe, é real. Ainda que seja de difícil compreensão de sua existência, se levar-mos em consideração o cotidiano ao qual estamos inseridos. Talvez precisasse de mais substância de arcabouço teórico para defender esta afirmativa. Denuncia, também, as mazelas humanas, e tudo que é considerado normal pela sociedade hipócrita.

Trecho da peça (P.40 a 41)

A Smith – Meu marido teimava...
O Smith – Não, você é que pretendia...
O Martin – Sim, ela é que...
A Martin – Não, ele...
Bombeiro – Calma, calma, não se enervem. Conte a história, senhora Smith.
A Smith – Está bem. Estou um pouco midada para lhe falar francamente, mas... Um bombeiro, afinal de contas, é uma espécie de confessor.
Bombeiro – E então?
A Smith – Estávamos a discutir porque o meu marido dizia que quando se ouve tocar a campainha da porta é sinal de que há alguém atrás da porta.
O Martin – Isso é bastante plausível.
A Smith – E eu dizia que sempre que tocam não há ninguém.
A Martin – O que pode parecer estranho.
A Smith – Mas foi provado, não teoricamente, mas por A mais B, por factos.
O Smith – Isso é falso! Então o bombeiro não está aqui? Ele tocou, eu fui abrir e pronto.
A Martin – Quando?
A Smith – Agora mesmo.
A Smith – Sim, mas só depois de se ter ouvido tocar uma quarta vez é que se encontrou alguém. E a quarta vez não conta.
A Martin – Claro. As três primeiras é que contam.
O Smith – Senhor comandante, o senhor permite-me que eu lhe faça algumas perguntas?
Bombeiro – Pois não.
O Smith – Quando eu abri a porta e o encontrei, foi o senhor mesmo quem tocou, não foi?
Bombeiro – Eu mesmo.
O Martin – O senhor estava à porta? Tocou para entrar?
Bombeiro – Sim.
O Smith, para a mulher, vitoriosamente – Está a ver como eu tinha razão? Quando a campainha toca é porque alguém tocou. Você não pode dizer que o comandante não é alguém.




Escolho este trecho sem muitas definições. Poderia ter escolhido quaisquer outro, resultam no mesmo objetivo. Uma característica forte da estética absurdista é seu caráter circular. Não existe uma linha contínua de tempo, logo, a peça retorna ao início, sem alterar sua estrutura inicial. Sabendo isso, qualquer trecho é satisfatório na idéia de mostrar as facetas do absurdo. Vemos em primeira instância a gratuidade do diálogo proposto, que furta essa falsa realidade lógica. No prefácio do livro da peça, Urbanos Tavares Rodrigues nos diz que apesar desse caráter de gratuidade, alguma coisa nunca é gratuita. Essa “quebra” singular do tempo real, é uma das propostas para que seja possível o trabalho do gratuito que não carrega de tudo uma gratuidade, as mil maneiras de não se dizer nada, dizendo.
Este texto nos mostra claramente a idéia de um “antiteatro”, que foge totalmente dos princípios de uma ação dramática que permeia toda a trama, com seus conflitos, e suas curvas dramáticas. Não! Quer-se inovar, fugir a estética pré-estabelecida pelo período e daí, essa idéia de anti, porque nega tudo que já foi proposta, ainda que existam traços estilístico do drama muito subliminares. Seria uma maneira clara de denúncia à sociedade vigente, cheia de regras e conceitos, uma forma radical, talvez, de mostrar o que não se quer mostrar.




Tássio Ferreira