quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Nova montagem - A Cantora Careca






Encerramos a nossa temporada com o espetáculo 'Campo de Concentração', no Teatro Caballeros de Santiago, e, estamos em novo processo de montagem, com uma cena de 15 minutos para o projeto Ato de 4 - Escola de Teatro da UFBA.

Escolhemos trabalhar desta vez com uma pitada de humor. Os atores precisavam "respirar" um pouco mais, "Campo de Concentração realmente era de tirar o fôlego", disse um ator. Logo, escolhemos Éugene Ionesco, com seu clássico 'A Cantora Careca'.

No elenco contamos com a participação especial de Mabelle Magalhães, na pele de Sra. Smith, Thiago Souza, vivendo Sr. Smith, Vivian Rigueira e Fernando Campos, com Sra. e Sr. Martin, Gildázio Santos como Mary e Gleison Richelle como o Bombeiro. Contamos com a orientação de cenografia de Maurício Pedrosa. Direção e adaptação de texto, Tássio Ferreira.




Vamos à algumas reflexões dramatúrgicas acerca deste texto.



A peça se passa no interior da Inglaterra, aborda o cotidiano da família Smith, que conversam dizendo banalidades com pouco sentido. Aparece a empregada Mary que anuncia a entrada da família Martin. Estes entram, sentam-se e, iniciam um diálogo também sem grande substância. Eles conversam, acumulam ocorrências, e apercebem-se de que são marido e mulher. Um Bombeiro entra a procura de incêndio, diz algumas anedotas e vai embora. Os casais voltam ao diálogo gratuito, e tudo volta ao início, em uma anticomédia.
Nesta estética absurdista é clara a idéia deste mundo irracional, pueril, que quebra com o encadeamento das falas, surgindo, assim, um “realismo do absurdo”, que é muito mais real e natural que o próprio realismo original que busca essa naturalidade dos acontecimentos, e não deixa espaço para a realidade, menos encadeada, mas imprevista, de fato aconteça. Realidade esta que, é posta à mesa por Ionesco. Realismo do absurdo, pois, dentro desta lógica proposta pelas personagens, ela existe, é real. Ainda que seja de difícil compreensão de sua existência, se levar-mos em consideração o cotidiano ao qual estamos inseridos. Talvez precisasse de mais substância de arcabouço teórico para defender esta afirmativa. Denuncia, também, as mazelas humanas, e tudo que é considerado normal pela sociedade hipócrita.

Trecho da peça (P.40 a 41)

A Smith – Meu marido teimava...
O Smith – Não, você é que pretendia...
O Martin – Sim, ela é que...
A Martin – Não, ele...
Bombeiro – Calma, calma, não se enervem. Conte a história, senhora Smith.
A Smith – Está bem. Estou um pouco midada para lhe falar francamente, mas... Um bombeiro, afinal de contas, é uma espécie de confessor.
Bombeiro – E então?
A Smith – Estávamos a discutir porque o meu marido dizia que quando se ouve tocar a campainha da porta é sinal de que há alguém atrás da porta.
O Martin – Isso é bastante plausível.
A Smith – E eu dizia que sempre que tocam não há ninguém.
A Martin – O que pode parecer estranho.
A Smith – Mas foi provado, não teoricamente, mas por A mais B, por factos.
O Smith – Isso é falso! Então o bombeiro não está aqui? Ele tocou, eu fui abrir e pronto.
A Martin – Quando?
A Smith – Agora mesmo.
A Smith – Sim, mas só depois de se ter ouvido tocar uma quarta vez é que se encontrou alguém. E a quarta vez não conta.
A Martin – Claro. As três primeiras é que contam.
O Smith – Senhor comandante, o senhor permite-me que eu lhe faça algumas perguntas?
Bombeiro – Pois não.
O Smith – Quando eu abri a porta e o encontrei, foi o senhor mesmo quem tocou, não foi?
Bombeiro – Eu mesmo.
O Martin – O senhor estava à porta? Tocou para entrar?
Bombeiro – Sim.
O Smith, para a mulher, vitoriosamente – Está a ver como eu tinha razão? Quando a campainha toca é porque alguém tocou. Você não pode dizer que o comandante não é alguém.




Escolho este trecho sem muitas definições. Poderia ter escolhido quaisquer outro, resultam no mesmo objetivo. Uma característica forte da estética absurdista é seu caráter circular. Não existe uma linha contínua de tempo, logo, a peça retorna ao início, sem alterar sua estrutura inicial. Sabendo isso, qualquer trecho é satisfatório na idéia de mostrar as facetas do absurdo. Vemos em primeira instância a gratuidade do diálogo proposto, que furta essa falsa realidade lógica. No prefácio do livro da peça, Urbanos Tavares Rodrigues nos diz que apesar desse caráter de gratuidade, alguma coisa nunca é gratuita. Essa “quebra” singular do tempo real, é uma das propostas para que seja possível o trabalho do gratuito que não carrega de tudo uma gratuidade, as mil maneiras de não se dizer nada, dizendo.
Este texto nos mostra claramente a idéia de um “antiteatro”, que foge totalmente dos princípios de uma ação dramática que permeia toda a trama, com seus conflitos, e suas curvas dramáticas. Não! Quer-se inovar, fugir a estética pré-estabelecida pelo período e daí, essa idéia de anti, porque nega tudo que já foi proposta, ainda que existam traços estilístico do drama muito subliminares. Seria uma maneira clara de denúncia à sociedade vigente, cheia de regras e conceitos, uma forma radical, talvez, de mostrar o que não se quer mostrar.




Tássio Ferreira

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